Nos dias de hoje, muito se fala sobre inovação no meio empresarial e financeiro, de modo que, cada vez mais, é impossível versar a respeito sem discutir acerca das empresas responsáveis por resolver “dores” ou criar soluções para os diversos problemas da atualidade, as chamadas “startups”.
Mesmo atuando no epicentro do avanço tecnológico moderno, o conceito ainda é nebuloso para muitos. Por este motivo, iniciamos hoje uma jornada de conhecimento sobre startups com o objetivo de desmistificar o assunto.
Para entendermos as startups, primeiro, precisamos ter uma definição robusta e concisa para que seja possível tecer análises sobre seus aspectos e peculiaridades.
Startups são empresas recém-constituídas, tipicamente associadas à tecnologia e inovação. Geralmente, operam em um ambiente de extrema incerteza, e almejam o crescimento rápido através de investidores, muitas vezes alheios ao quadro societário fundador.
No ordenamento jurídico brasileiro, a startup foi formalmente introduzida pela Lei Complementar nº 167 de 24 de Abril de 2019, ao criar o “Inova Simples, regime especial simplificado que concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo, que se autodeclaram como startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda”.
A Lei também define o conceito de startup como:
“Empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva. (…) As startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita”.
Sendo este o artigo inaugural da nossa série sobre startups, analisaremos um dos aspectos mais fundamentais da constituição de uma empresa deste tipo: investimento de capital.
Via de regra, as startups buscam angariar capital através de 03 formas: investidores independentes, fundos de investimento, e crowdfunding.
O artigo de hoje tem como foco os investidores independentes, sobretudo o instituto do “investidor-anjo”, já que este tipo de investidor geralmente é mais significativo para as startups do que aportes de capital oriundos de familiares e amigos dos fundadores da empresa.
Um investidor-anjo é um indivíduo detentor de recursos consideráveis e expressivo conhecimento prévio sobre gestão empresarial e/ou sobre o nicho específico de atuação da startup, de forma que ingressa na sociedade para aportar capital e oferecer sua expertise, participando nos negócios de forma mais ativa que um investidor comum.
O instituto do investidor-anjo foi formalizado no ordenamento jurídico nacional através da Lei Complementar nº 155 de 27 de outubro de 2016 como forma de possibilitar o aporte de capital às microempresas e empresas de pequeno porte sem que o valor investido integre o capital social do empreendimento.
Dessa forma, o investidor-anjo não passa a ser sócio da empresa meramente por ter aportado capital. Não se revestindo da qualidade de sócio, o investidor-anjo não é responsabilizado pelas dívidas da empresa, inclusive em recuperação judicial.
Neste mesmo diapasão, o investidor-anjo também não tem direito a gerência ou voto na administração da empresa, sendo este poder reservado aos sócios.
No entanto, a forma como a figura investidor-anjo foi instituída no Brasil trouxe consigo uma série de problemas que tornaram o instituto pouco atraente para aqueles que desejam investir dessa maneira.
Primeiro, têm-se as peculiaridades impostas pela lei ao investidor-anjo. Primeiramente, este tipo de contrato deverá ter a duração máxima de 5 anos. O investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade e, finalmente, somente poderá exercer o direito de resgate de seu investimento depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital.
Ainda, a Lei Complementar que instituiu e definiu o investidor-anjo diz respeito exclusivamente às sociedade enquadradas como empresas de pequeno porte e microempresas, sendo certo que o disposto nesta lei não se aplica àquelas empresas excluídas destes tratamentos legais.
Por fim, há de se considerar os reflexos tributários do investimento-anjo. A Instrução Normativa nº 1.719 de 2019 da Receita Federal estipulou as seguintes alíquotas para a tributação da remuneração do investidor-anjo oriunda de sua participação nos resultados da empresa:
Ainda, há de se ressaltar que o investidor também será tributado caso obtenha lucro advindo de venda de sua participação na empresa.
Nada obstante, há uma solução para aqueles que desejam ser um investidor-anjo ou receber tal investimento, sem tantos requisitos legais e sem as consequências tributárias supracitadas.
Para tal finalidade, é comum no mercado a elaboração de Contrato de Mútuo Conversível. Em termos leigos, o mútuo é popularmente denominado de empréstimo, sendo evidente para qualquer um que este contrato teria a finalidade de possibilitar que o investidor “empreste” dinheiro à empresa, estipulando os termos e condições para tal.
No entanto, o que faria deste contrato “conversível”?
Este termo é empregado aqui no sentido de que é possível o retorno do valor investido em quotas sociais da empresa, ao em vez de um mero ressarcimento do valor investido acrescido de juros, ao interesse do investidor.
O Contrato de Mútuo Conversível passa a ser uma ferramenta interessante para o investidor e para a empresa, ao passo que oferece benefícios similares aos do investidor-anjo, mas sem a inconveniência dos aspectos intrínsecos ao investidor-anjo stricto sensu.
A favor do Mútuo Conversível tem-se que, não só contratos desta espécie configuram título executivo extrajudicial, possibilitando a cobrança judicial através de Ação de Execução, mas também não impõe às partes os requisitos específicos atrelados ao investidor-anjo, como duração máxima de 5 anos, remuneração não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade e restrição do direito de resgate pelo prazo mínimo de dois anos do aporte de capital.
O Contrato de Mútuo Conversível também é favorável pois, uma vez inserido dentro do planejamento societário adequado, possibilita a redução da carga tributária da operação de investimento, como o ganho de capital.
Deve ser observado, no entanto, que pode haver uma consequência negativa para o investidor quando este optar pelo contrato de mútuo ao invés de se tornar investidor-anjo ou ingressar no quadro societário da sociedade.
Considerando que, para fins de conversão do empréstimo em quotas sociais, o valuation da empresa deve ser feito no momento da conversão, com considerável lapso temporal desde a celebração do contrato, é possível que a empresa tenha crescido consideravelmente.
Assim, é possível que o investidor receba porcentagem de quotas sociais menor do que esperava, pois o investimento realizado agora representa uma fração menor da sociedade em relação ao momento da celebração, quando esta era menor. Por isso, necessários o estudo e implementação dos mecanismos adequados para evitar ou reduzir a desvalorização do investimento.
Isso posto, recomenda-se sempre que, diante de um universo de mecanismos e operações possíveis, o investidor e/ou empreendedor contem com uma assessoria especializada.
LUIZ OTÁVIO FERREIRA PIRES – Estagiário de Direito
MÁRIO CÉSAR JORGE PEREIRA – Advogado