É importante compreender, antes de mais nada, que garantir que a Administração Pública seja verdadeiramente impessoal talvez seja uma das premissas mais relevantes de um Estado Democrático de Direito. Quando há a compreensão de que a máquina estatal não deve estar à serviço dos que lá se encontram inseridos no exercício de suas funções, seja lá qual tenha sido a forma de investidura do seu cargo (eleição, indicação, concurso e etc.), as instituições democráticas e os regimes jurídicos alcançam um outro patamar de segurança jurídica e preservação.
Uma Administração Pública impessoal é aquela que age, necessariamente, em observância à necessária preservação do interesse público, ou seja, da coletividade, e não de particulares que, por alguma razão, se acham no “direito” de serem colocados em uma posição de favorecimento. O Estado existe, sobretudo, para que através de seus agentes as funções estatais sejam instrumentalizadas, sendo necessário observar sempre o que dispõe a legislação sobre cada tema específico para, somente assim, os atos administrativos serem praticados.
Por essa razão, que a impessoalidade deve ser sempre compreendida à luz da legalidade administrativa, para que excessos não sejam cometidos utilizando-se, erroneamente, da discricionariedade como justificativa, quando, na verdade, todos os atos devem estar vinculados, antes de mais nada, à base principiológica consagrada, expressamente, na Constituição Federal. Já se foi o tempo em que princípios eram fonte secundária do Direito. Uma vez codificados estes devem ser compreendidos como fonte primária, cujo a sua inobservância pode representar ato de improbidade, como é o caso da prática de atos pautados pela pessoalidade, sendo estes ilegais e arbitrários.
Pela doutrina clássica, impessoalidade é o desdobramento da igualdade e também da imparcialidade, devendo ambas serem observadas pelos agentes públicos. Isto significa dizer que os atos vinculados precisam ser praticados independentemente de quem seja o administrado, devendo todos serem tratados de forma igual e imparcial, sem qualquer espécie de favorecimento indevido.
Não deve haver preferências no âmbito da Administração Pública, caso haja, a legislação assim tem que determinar em razão da já invocada na presente análise, legalidade administrativa, como é caso de tratamento diferenciado para microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) no caso das licitações, entre outros casos que visa instrumentalizar o conceito de igualdade que Aristóteles criou ainda na Grécia Antiga: “igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade”
Outra faceta da impessoalidade que deve ser considerada, é do ponto de vista da Administração. Acrescentar à imagem do poder público símbolos, cores ou sinais que remetam à uma pessoa específica, mesmo tendo sido esta eleita por voto popular, é absolutamente ilegal. Promoção pessoal e interesse público são incompatíveis com o conceito de administração impessoal, indo na contramão do modelo de Administração que a Constituição de 1988 buscou instituir, sendo algo que chefes do executivo, como os prefeitos, devem observar.
São diversos os exemplos de violação à impessoalidade que podem provocar ações de improbidade administrativa, sendo algum deles: direcionamento de licitação; desclassificação em concurso público sem fundamento válido; manipulação do plano diretor para lucrar com valorização imobiliária; inserir foto pessoal em anúncios de inauguração de obras; quebra da ordem cronológica de pagamento de fornecedores sem justificativa válida, entre tantos outros.
Por fim, sob a ótica do Direito Administrativo Empresarial, são diversos os desdobramentos citados que geram prejuízo aos fornecedores da Administração Pública Direta e Indireta, devendo sempre serem combatidos com o máximo rigor. Desclassificações infundadas em certames licitatórios talvez seja o maior de todos os exemplos, estando o controle externo legislativo (Tribunais de Contas) e judicial (Poder Judiciário) à disposição para serem provocados e promover, no exercício de suas funções, o controle de legalidade desses atos praticados.
A inércia do administrado que foi prejudicado não é, sem sombra de dúvidas, o melhor caminho, devendo sempre procurar orientação jurídica especializada no assunto, para que as medidas necessárias para reversão do cenário sejam todas adotadas, incluindo denúncias para eventual responsabilização
Leonardo Henrique de Angelis
Advogado e Coordenador da Área de Direito Administrativo